Há uma estranheza silenciosa em olhar para trás e perceber quantas ideias morreram antes mesmo de nascer de verdade. Quantos projetos brilhavam na mente como faróis em uma noite sem lua e mesmo assim não chegaram nem à primeira curva da estrada. A vida, com sua lógica misteriosa, não é feita apenas do que realizamos, mas também do que deixamos para depois. E o depois, como sabemos, quase nunca vem.
Quem trabalha com criação sabe disso melhor do que ninguém. Existe uma gaveta, física ou digital, onde repousam rascunhos de revistas que nunca foram impressas, livros que nunca passaram da segunda página, roteiros parados na metade, coletâneas que se esboçaram com entusiasmo e se esvaíram no silêncio dos e-mails não respondidos. Às vezes falta dinheiro. Às vezes tempo. Muitas vezes é só o cansaço do mundo esmagando qualquer chama criativa que ainda resista.
Publicações abortadas são túmulos sem nome. Mas carregam consigo uma espécie de fantasma íntimo. Lançar um projeto exige não só energia, mas esperança. Cancelá-lo, ou deixá-lo adormecer, exige uma aceitação amarga: não dá pra tudo. Não se vive todas as vidas, não se escreve todos os livros, não se edita todas as revistas. A cada escolha, uma renúncia. E a cada renúncia, uma saudade do que poderia ter sido.
É cruel, às vezes. Uma ideia genial pode virar pó porque o ilustrador não entregou as páginas. Ou porque o financiamento coletivo falhou. Ou porque a distribuidora fechou as portas. Ou, simplesmente, porque ninguém mais acreditava. E então aquela história, que poderia tocar alguém, nunca chega ao leitor.
E, no entanto, mesmo os projetos inacabados têm valor. Eles são testemunhos de tentativa. São trilhas abertas, mesmo que não levem a lugar algum. São lembretes de que existiu vontade, paixão, fé na arte, na palavra, na imagem. São parte da trajetória, ainda que não cheguem ao destino.
A vida é estranha. Nem sempre o que tem mais mérito é o que floresce. Nem sempre o que dá certo é o que era melhor. Mas talvez a grandeza esteja justamente em tentar, em começar mesmo sem garantias, em colocar uma semente na terra sem saber se haverá chuva. E sim, às vezes não há. Mas outras vezes, contra todas as probabilidades, brota.
Talvez a gente nunca consiga realizar tudo. Mas também não precisa se envergonhar do que ficou pela metade. Porque, no fundo, cada projeto inacabado é um rastro de humanidade: um pedaço do nosso desejo de deixar algo mais bonito neste mundo.
E isso, por si só, já é uma forma de resistência.
Vamos tomar um café...
Se tem algo que sempre nos moveu aqui na Uma Pausa para o Café, foi a vontade de ouvir. Ouvir quem faz, quem cria, quem luta pra que os quadrinhos nacionais existam, sobrevivam e floresçam. E, nas duas entrevistas que publicamos até agora, isso ficou claro como o traço firme de um desenhista que sabe onde quer chegar.
Na primeira conversa, mergulhamos nos bastidores da criação com Henry Jaepelt, que nos mostrou como um quadrinho nasce não só do talento, mas também da teimosia, do afeto e da convivência com o fracasso.
Já na segunda, com Silvio Ribeiro, falamos de memória, mercado e da beleza de contar histórias em tempos turbulentos, com uma honestidade que bateu forte, como devem bater as boas HQs.
Essas conversas não são só entrevistas. São documentos. São testemunhos de quem, contra todas as marés, escolheu fazer quadrinhos no Brasil. E isso, convenhamos, é quase um ato de fé.
Mas o que vem pela frente?
Ah... aí é que mora a centelha. Prepare-se. A trilha que estamos pavimentando leva a nomes que ajudaram a moldar a linguagem dos quadrinhos brasileiros como a conhecemos. Mestres. Não vamos soltar spoilers (ainda), mas se você cresceu lendo gibis nacionais ou hoje coleciona com orgulho cada edição independente que surge nas feiras e eventos, vai reconhecer alguns dos próximos nomes que vem por aí.
É só o começo.
E se você estiver atento, talvez perceba que o que estamos construindo por aqui não é apenas uma série de entrevistas, um mosaico. Um retrato fragmentado, afetivo e crítico da nossa cena, da nossa história, da nossa gente.
Enquanto isso, pegue mais um café. A próxima conversa já está a caminho.
Errata com carinho
Na publicação As cores que pintaram nossos sonhos, cometi uma pequena falha de memória, e omitir créditos nunca é justo. A ideia para esse texto nasceu a partir de um vídeo do canal Gico HQ, no YouTube, que me despertou reflexões e lembranças importantes.
Fica aqui o reconhecimento e o agradecimento. Sonhos coloridos merecem sempre os devidos créditos.
Fica aqui o reconhecimento e o agradecimento. O canal do Gico é, aliás, um dos meus favoritos. Se você ainda não conhece, corre lá e se inscreve, é conteúdo feito com alma.
E claro, se você está lendo isso porque alguém te encaminhou, aproveita para se inscrever também na nossa newsletter Uma Pausa para o Café. Aqui a gente fala de HQs, sonhos, fracassos e outras histórias que merecem ser contadas.
Porque quadrinho bom é aquele que a gente compartilha.